Presos seriam orientados a fingir espancamentos para desacreditarem policiais, relatam autoridades da segurança

Conversas de criminosos orientando parceiros ou conhecidos a inventarem acusações contra policiais militares e civis, com o objetivo de que os agentes sejam removidos dos postos, colocaram autoridades em alerta. Há suspeita de que estratégia semelhante esteja sendo usada em várias cidades para livrar suspeitos da prisão quando eles comparecem a audiências de custódia. Ou seja, os presos alegariam agressões ou ilegalidades durante a captura para serem soltos ou para desencadearem investigações, por parte das corregedorias, contra os policiais envolvidos nas ações de combate ao crime organizado.

A Corregedoria da Brigada Militar recebeu 255 queixas contra policiais desde 27 de junho, quando começou a funcionar em Porto Alegre o Núcleo de Gestão Estratégica do Sistema Prisional (Nugesp) — um local onde presos e policiais são ouvidos por juízes para verificar a legalidade da prisão, logo que ela acontece. Em agosto, GZH publicou que PMs estavam sendo proibidos por juízes de se aproximarem de suspeitos que tivessem prendido, numa espécie de medida protetiva em favor do criminoso. O motivo também era a existência de supostas agressões ou ilegalidades.

A Polícia Civil não repassou o total de queixas feitas por presos desde junho, mas o chefe, delegado Fábio Motta Lopes, confirma que, entre 16 e 22 de setembro, foram recebidas pela corregedoria 43 solicitações de sindicâncias contra policiais civis que teriam praticado supostas agressões e abuso de autoridade.

— Pela nossa experiência, e as audiências de custódia não são novidade, a maioria esmagadora dessas denúncias é inverídica. Nem os laudos confirmam as lesões alegadas. Nós vamos procurar a corregedoria do Judiciário para ver como tratar essas situações — diz o delegado.

O que preocupa as cúpulas da BM e da Polícia Civil é que o mesmo tipo de armação esteja sendo usado por criminosos para tentar liberdade durante audiências de custódia ou fazer com que agentes envolvidos nas ações sejam investigados por supostas agressões ou ilegalidades durante a captura.

Em outro caso, ocorrido no último dia 3 em Campo Bom, três homens presos com 151 quilos de maconha foram libertados por ordem judicial depois de alegar terem sido agredidos pelos três PMs que os prenderam. Um deles dos criminosos também exibia ferimento numa perna.

Os policiais monitoraram durante toda a madrugada a entrega de drogas numa residência e depois entraram na casa, onde encontraram a maconha e os homens. Eles tiveram a prisão determinada pela Polícia Civil e sua soltura, por uma juíza do Nugesp, que fica em Porto Alegre.

O Sindicato dos Escrivães, Inspetores e Investigadores da Polícia Civil-RS (Ugeirm Sindicato) remeteu áudios e vídeos à chefia da Polícia Civil e à Corregedoria, no sentido de que tomem providências para garantir a ação dos agentes. Conforme o presidente da entidade sindical, Isaac Ortiz, a Corregedoria de Polícia está sobrecarregada de queixas por supostos abusos cometidos por policiais:

— Os áudios demonstram que existe uma estratégia para ludibriar o Judiciário, que está sendo usado para liberar presos ligados às facções criminosas.

A estratégia das facções valeria tanto para prisões levadas ao Nugesp quanto para o patrulhamento das ruas. Um dos exemplos citados por Ortiz ocorreu com policiais militares em Canoas. Áudios cedidos por moradores de um condomínio daquela cidade e que integram um inquérito policial militar revelam as articulações para que determinados PMs do 15º BPM fossem apontados por invasão de residências e, em razão do excesso de queixas levadas à cúpula da Brigada Militar, acabassem transferidos de unidade. Um homem não identificado conversa com conhecidos orientando sobre o que devem dizer:

— Tem que dizer que tem mulher e criança dentro de casa, tem que falar bonito, entendeu?.

Ele prossegue, numa das conversas interceptadas:

— Vamos derrubar essa Tática (Patrulha Tática da BM) e vamos tirar esses brigadianos, entendeu? Daí fala com o negão da lavagem para ele dizer também: “A Tática todo dia invadindo minha casa, todos os dias invadindo sem mandato, entrando correndo, daí eu tenho mulher, tenho criança dentro de casa”. Tem que todo mundo falar bonito, entendeu? Passar por vítima, entendeu? Dar até umas pauladas nos braços, deixar roxo e dizer: “Aí, tão entrando na minha casa, me quebrando a pau, olha aí, na frente dos meus filhos” — diz o homem que seria chefe de quadrilha.

Em contato com outra pessoa, o mesmo homem pede:

— Me dá esse apoio de ir na Corregedoria também dizer que eles invadiram a tua casa? Que invadiram a tua casa, que te bateram. Essa mulher (uma PM) e o cara. Vou te mandar uma foto do papel com o nome deles.

Em outro diálogo, o homem admite se tratar de uma armação:

— O (diz o nome de uma pessoa) já marcou com o comandante de Canoas para levar vocês lá amanhã, para ver certinho os policiais e as viaturas, para ver se ele consegue tirar eles da nossa zona. Botar eles para outros lugares, trabalhar. É tudo uma jogada, pai, vou fazer uma jogada de camisa 10.

O comandante do 15º BPM, tenente-coronel Jorge Dirceu Filho, diz que os áudios foram repassados à Ouvidoria do batalhão em 2021, depois de uma série de ações da BM num condomínio de Canoas. Um dos autores das conversas estava preso na época. Tudo foi juntado a um inquérito policial militar (IPM), que já foi remetido à Justiça Militar. Diante da combinação mostrada nos diálogos, os policiais não foram punidos e as barreiras próximas ao residencial foram mantidas.

— O processo segue em andamento naquele tribunal, motivo pelo qual não posso me manifestar sobre os fatos — sintetiza o oficial.

Fonte: GZH / Foto: Ronaldo Bernardi

 
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